terça-feira, 8 de março de 2016

Carta aberta de Lili Wachowski


Em carta aberta, Andy Wachowski, anunciou ser uma mulher trans, com o nome de Lili Wachowski. A seguir a tradução livre da carta aberta (critica e sarcástica na medida certa) da diretora, roteirista e produtora de Matrix, V de Vingança e Sense8.

"MUDANÇA DE SEXO CHOCANTE IRMÃOS WACHOWSKI AGORA IRMÃS"
Está ai a manchete que tenho esperado todo esse ano que se passou. Até agora com medo e/ou revirar de olhos com exasperação, essa "notícia" quase que saiu algumas vezes. Da qual foi precedida de um e-mail ameaçador de meu agente — os repórteres estavam pedindo declarações a respeito da história da "transição de gênero de Andy Wachowski" que eles estavam prestes a publicar, em resposta a essas ameaças de exposição conta a minha vontade, eu tinha preparado uma declaração que é uma parte irritada, uma parte ácida e doze partes de gasolina.
Esse discurso continha um monte de ideias politicamente relevantes sobre os perigos da exposição de pessoas trans, das estatísticas aterrorizantes de suicídios por transgêneros e taxas de homicídio. Sem mencionar no envolvimento levemente sarcástico que "revelava" o fato de meu pai ter injetado um Louva-Deus de sangue dentro de seu saco escrotal antes de conceber cada um de seus filhos, a fim de produzir uma raça de super mulheres, determinadas à dominação feminina. Ok, mega sarcástico.
Entretanto não aconteceu, os editores destas publicações não imprimiram uma história que era apenas lasciva em substância e poderia ter um efeito potencialmente fatal. E sendo a otimista que sou, estava feliz em fazê-los progredir para o sucesso.
Então na noite passada enquanto me preparava para sair para jantar, minha campainha tocou. Em pé na minha varanda estava um homem que não conhecia.
"Isso pode parecer um pouco estranho" disse ele com um sotaque britânico.
Lembro-me de suspirar.
Às vezes é um trabalho muito árduo o de ser otimista.
Ele continuou explicando que era um jornalista do Daily Mail, que era o maior veículo de notícias no Reino Unido e mais definitivo é que não era um tabloide; e que eu realmente deveria me sentar com ele amanhã, ou no dia seguinte, ou na semana seguinte, para que pudessem tirar uma foto minha e eu pudesse contar minha história que era tão inspiradora! E que eu realmente não iria querer alguém do National Enquirer me seguindo por ai, não é mesmo? A propósito, O Daily Mail definitivamente não é um tabloide.
Minha irmã Lana e eu temos amplamente evitado a imprensa. Acredito que falar sobre a minha arte é uma frustração tediosa e falar sobre mim mesma uma experiência totalmente humilhante. Eu sabia que em algum ponto eu teria de me "assumir" publicamente. Sabe, quando você vive como uma pessoa assumidamente transgênero é... um pouco difícil de esconder. Eu só queria, precisa, um tempo para colocar a minha cabeça no lugar, para me sentir confortável.
Porém, aparentemente, eu não posso decidir isso.
Depois do jornalista ter me dado seu cartão e eu ter fechado minha porta, veio a mim de onde eu tinha ouvido sobre o Daily Mail. Foi a organização de "notícias" que tinha desempenhado um papel enorme no discurso público de identidade de Lucy Meadows, uma professora de escola (no Reino Unido ensino para crianças de faixa etária de 4-14) e mulher trans do Reino Unido. O editorial do "não-somos-um-taboide" a demonizou como sendo uma influência prejudicial sobre a inocência delicada das crianças e resumiu: "ele não está apenas presa no corpo errado, ele está no emprego errado". A razão por eu saber dela não era pelo fato dela ser uma transexual, mas sim por que após três meses que o artigo do Daily Mail foi lançado, Lucy cometeu suicídio.
E agora, aqui estavam eles em minha porta, quase como se dissessem: "Aqui há outra! Vamos arrastá-la para um espaço aberto para que possamos observá-la."
Ser uma transgênero não é fácil. Vivemos em um mundo binário de gênero imposto por maioria. Isso significa que quando se é transgênero, você precisa enfrentar a dura realidade de viver o resto da sua vida em um mundo que é abertamente hostil a você.
Eu sou uma das sortudas, tendo o apoio de minha família e os meios para pagar médicos e terapeutas, me deu a chance de realmente sobreviver a esse processo. Pessoas transgêneros sem esse apoio, meios e privilégios não têm esse luxo, e muitos não sobrevivem. Em 2015, a taxa de transgêneros assassinados, atingiu o ponto mais alto de todos os tempos nesse país. Um horrível número desproporcional de vítimas eram mulheres trans de cor. Esses são apenas os homicídios registrados, já que nem todas as pessoas trans se encaixam no arrumado das estatísticas de taxa de homicídio do gênero binário, sendo assim,os números reais são ainda maiores.
E apesar de já termos trilhado um longo caminho desde "O Silêncio dos Inocentes", continuamos sendo demonizadas e tratadas como vilãs pela mídia, onde anúncios ofensivos nos retratam como potenciais predadoras a fim de nos impedir até de usar um maldito banheiro. Os então chamadas projetos para banheiros que estão surgindo em todo o país não protegem as crianças, esses projetos forçam pessoas trans a usarem banheiros dos quais elas podem sofrer agressões e/ou serem mortas. Nós não somos predadoras, nós somos a presa.
Então, eu sou uma transgênero, e sim eu fiz a transição.
Eu sou assumida para meus amigos e família, a maioria das pessoas no trabalho também sabem. Todo mundo está de boa com isso, sim, graças a minha fabulosa irmã, eles já tinha passado por isso antes, mas além de tudo eles são pessoas fantásticas. Sem o amor e apoio da minha esposa, amigos e família, eu não estaria onde estou hoje.
No entanto, estas palavras "transgênero" e "transição" são difíceis para mim porque ambas perderam sua complexidade na sua assimilação para a grande mídia. Há uma falta de nuance entre espaço e tempo. Ser transgênero é algo amplamente entendível como existente entre o dogmático terminal de macho e fêmea. E a "transição" transmite uma sensação de imediatismo, um antes e depois de um terminal para outro. Só que a realidade, a minha realidade, é que eu estive em transição e continuarei em transição toda a minha vida, por meio do infinito que existe entre homem e mulher, como acontece no infinito entre o binário de zero e um. Precisamos elevar esse diálogo para além da simplicidade do binário, pois ele é um falso ídolo.
Agora a teoria de gênero e a teoria queer machucam meu cérebro. As combinações de palavras, como freeform jazz (jazz de forma livre), tem um tinido desconexo e discordante a meus ouvidos. Anseio para a compreensão da teoria queer e de gênero, mas é uma luta como é a luta pela compreensão da minha própria identidade. Eu tenho uma citação no meu escritório pensada por José Muñoz que me foi dada por um bom amigo. Eu fico olhando para ela contemplando, por vezes, tentando decifrar seu significado, mas a última frase ressoa:

"Queerness (Estranheza) é, essencialmente, sobre a rejeição de um aqui e agora, e uma insistência na potencialidade de um outro mundo."

Então, vou continuar a ser otimista adicionando meu ombro para a luta de Sísifo do progresso, e no meu próprio ser, ser um exemplo da potencialidade de um outro mundo.

Lilly Wachowski

















Vai ter mulher transexual no cinema SIM!

FONTE: http://www.windycitymediagroup.com/lgbt/Second-Wachowski-filmmaker-sibling-comes-out-as-trans-/54509.html

 

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